domingo, 30 de março de 2014

SOBRE O IMPOSTO SINDICAL E A INDEPENDÊNCIA DE CLASSE DOS SINDICATOS PERANTE OS GOVERNOS E OS PATRÕES: Um debate necessário.


*Gilvan Azevedo


“A libertação da classe operária tem que ser feito dos próprios trabalhadores.” (Karl Marx)


Temos acompanhado, há algumas semanas, um debate nas redes sociais sobre os descontos que vêm acontecendo irregularmente nos vencimentos dos(as) professores(as) da rede estadual de educação maranhense. Este fato tem causado a justa indignação do conjunto dos educadores, revolta esta que se justifica pela natureza de como são feitos os “saques” nos proventos dos(as) trabalhadores(as) em educação do Estado. Primeiro por ser um desconto compulsório e sem nenhuma deliberação da base de qual o destinação dos recursos, segundo por terem recolhido duplos e até triplos valores sobre o mesmo período e por fim, o mais revoltante: por ser destinados a uma organização que não tem nenhuma inserção na base dos docentes, o até antes desconhecido SINTSEP, já que os educadores maranhenses “contam” com uma organização igualmente inoperante que já faz recolhimento do famigerado imposto sindical sem destiná-lo à luta dos trabalhadores em educação, o Sinproesemma (CTB/PCdoB).
Nos debates nas redes sociais, identificamos as mais variadas formas de expressão de indignação dos docentes e o apelo a quase todo tipo de reação, como a negação do sindicato, o convite à impetração de ações judiciais para devolução dos valores recolhidos e até defesas de desfiliação massiva dos associados do Sinproesemma. Sobre essas considerações pretendemos contribuir com o debate para que possamos avançar na organização da luta da classe trabalhadora e na retomada de nossos instrumentos de luta que são os sindicatos, pois entendemos que o desconto via imposto sindical, não se trata apenas de um problema de forma, mas, fundamentalmente, um problema de conteúdo.

A função dos Sindicatos

Marx e Engels afirmam em O Manifesto do Partido Comunista que: “a história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história de luta de classes”, que na sociedade capitalista se expressa pela subordinação do trabalho ao capital e pelo antagonismo irreconciliável da burguesia com proletariado. Com o advento da Revolução Industrial na Inglaterra do século XVIII, o consequente aparecimento do trabalho assalariado sob o intenso regime de exploração da pueril classe operária pela burguesia inglesa, foi ao longo do século XIX construindo as bases para a construção da consciência de classe entre os trabalhadores. Os sindicatos surgem como organismos legítimos da classe trabalhadora frente aos ferozes ataques da burguesia contra os interesses do proletariado. Henrique Canary, discorrendo sobre os sindicatos escreve:
Os sindicatos são o resultado inevitável da divisão da sociedade em explorados e exploradores. Existem lutas e organização sindicais praticamente desde que existe o capitalismo. Por isso também é possível afirmar que, enquanto houver burgueses e proletários, vai haver luta e organização sindical: poderá ser diferente, clandestina, reprimida etc., mas vai haver. Toda a história aponta neste sentido

No Brasil, decorrente do modelo agroescravocrata que perdurou durante grande parte de nossa história, a classe operária brasileira começa a se desenvolver tardiamente no final do século XIX.
Primeiro de orientação anarquista e posteriormente comunista os sindicatos, em sua gênese, constituíram-se em pontos de apoio à luta da classe operária brasileira e conseguiram através da luta consequente contra os patrões arrancar importantes vitórias contra a exploração capitalista, podemos citar algumas como, proibição do trabalho infantil, regulamentação da jornada de trabalho, descanso remunerado e aumento de salários.
Essas vitórias só foram possíveis porque esses sindicatos eram independentes dos governos e dos patrões, seus objetivos eram de lutar contra, a exploração capitalista sobre a classe trabalhadora, as péssimas condições de trabalho e os baixíssimos salários; reinava a democracia operária e os trabalhadores eram livres para decidir suas formas de organização.

Do Sindicalismo de Estado Varguista ao Lulopetismo cutista

Em 1930, quando Vargas assumiu a presidência esses sindicatos independentes são perseguidos e o governo começa a controlá-los através do que ficou conhecido como sindicalismo de Estado. Vito Giannotti escrevendo sobre esse processo, afirma:

A partir de Vargas, esses sindicatos são obrigados a desaparecer, em seu lugar, nasce um outro sindicalismo. Um sindicalismo que esquece a luta de classes e, mais ainda, o conceito de classes sociais. Não haveria mais o patrão, de um lado, e operário, do outro. Agora seria o “empregado” e o “empregador”. Duas palavras quase idênticas. Só um pequeno “r” de diferença.
É nesse contexto que o governo Vargas, não sem resistência, estatiza os sindicatos que para poder funcionar precisam de um estatuto e de uma carta sindical oferecida pelo governo além de instituir o famigerado imposto sindical, valor compulsório que é descontado anualmente de todo(a) trabalhador(a) e que corresponde a um dia de trabalho, sendo esse(a) trabalhador(a) sindicalizado(a) ou não, a maioria das direções burocratas e governistas fazem defesa da manutenção do imposto, alegando que sem ele o sindicato deixaria de existir, escamoteando dessa forma o verdadeiro sentido da existência de tal desconto, que é o de atrelar os sindicatos ao Estado. Sobre isso, Zé Maria explica:
(...) O sindicato para ser independente, deve depender apenas de financiamento oriundo dos trabalhadores, decidido democraticamente em suas instâncias. Isso pressupõe acabar com o imposto sindical ou qualquer outra fonte compulsória de arrecadação de recursos para os sindicatos. Tratam-se, na verdade, não de fontes de financiamento da luta dos trabalhadores, mas sim fontes de reprodução da burocracia sindical. (grifo nosso)

Com a ascensão de Lula à Presidência da República, a relação entre a burocracia sindical brasileira e o aparelho de estado ganhou novos tons e os sindicatos filiados à CUT e à outras centrais pelegas e governistas perderam sua independência de classe, deixando de defender os interesses de seus associados e passaram de malas e cuias para o lado do governo. A manutenção do imposto sindical foi um dos atrativos utilizado pelo governo do PT para trazer para dentro do governo parte das direções das centrais e seus sindicatos.
Em matéria divulgada no site da CSP Conlutas em 2012, pode-se ler que:
Cinco centrais sindicais embolsaram R$ 138 milhões referente ao chamado Imposto Sindical, entre janeiro e outubro deste ano. Até dezembro, a soma total pode chegar a R$ 160 milhões, dinheiro que sai do bolso do trabalhador e será repassado pelo governo federal à CUT, Força Sindical, CTB, UGT e NCST.

E o bolo fica assim dividido:

Do total arrecadado, 60% são repassados aos sindicatos, 15% às federações, 5% às confederações e 20% ficam com o Ministério do Trabalho, para financiar programas como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que custeia o seguro-desemprego e o PIS. Em 2008, o então presidente Lula determinou que, do total repassado ao FAT, 10% deveriam ser destinados às centrais sindicais. De lá para cá, as centrais já receberam cerca de R$ 530 milhões, valor que não precisa ter nenhuma prestação de contas. CUT e Força Sindical ficam com as maiores parcelas do imposto, R$ 44,5 milhões e R$ 40 milhões, respectivamente. Apesar de se declarar formalmente contra a cobrança, a CUT não devolve o dinheiro aos trabalhadores.


Com esse volume de dinheiro, que o governo desconta compulsoriamente do trabalhador e credita nas contas das Centrais não é difícil concluir de que lado as direções governistas vão ficar e quais interesses irão defender.
Retornando ao debate que abre esse artigo sobre a indignação dos educadores maranhense e suas formas de reação, achamos que devemos avançar nos debates acerca dos descontos, pertencemos a categoria e estamos igualmente indignados, mas acreditamos que só indignação não resolverá o problema,  muito menos as propostas apresentadas nos grupos virtuais, vamos a elas:

1- Desfiliação em massa resolveria o problema do imposto sindical?
Afirmamos categoricamente que NÃO. Esta é a principal contradição introduzida pelo desconto compulsório, o(a) trabalhador(a) não precisa ser sindicalizado para ter seu dinheiro “sequestrado”. Ou algum servidor precisou ser associado ao SINTSEP para ter o desconto em seus vencimentos, no nome dessa instituição?

2- A busca do Auxilio da justiça através de ações judiciais garantiriam a devolução do dinheiro descontado?
Quem acreditar na justiça burguesa pode fazê-lo, só não deve esquecer-se que, é essa mesma justiça que decreta a greve dos trabalhadores ilegal, que arbitra multas altíssimas aos sindicatos combativos e o mais importante: a justiça é parte do estado burguês e sempre vai defender os interesses da classe que está no poder. Não esqueçamos que foi o próprio TRT Maranhão quem legitimou a anulação da eleição do Sindeducação, em 2012, na qual foi eleita democraticamente a Chapa 1 “Unidade para Mudar” e manteve o golpe perpetrado pela atual gestão, indo contra a decisão de milhares de educadores naquele momento. O resumo da ópera todos nós já sabemos: o atrelamento do Sindicato à Prefeitura Municipal de São Luis (PMSL) e o aprofundamento do caos na educação publica municipal.

3- A negação do sindicato. Os sindicatos não seriam mais necessários?
Do exposto, acreditamos ser impossível a negação dos sindicatos, por tudo que essas organizações representaram e representam para a luta da classe trabalhadora contra os ataques ferozes dos patrões e dos governos. Não podemos confundir os sindicatos, que são a expressão maior da organização dos trabalhadores com as burocracias que vem se locupletando há décadas em nossos sindicatos e que tem servido como diques na organização e no avançar das lutas do proletariado. Neste sentido, não é o sindicato que deve ser negado, mas as direções traidoras é que devem ser extirpadas dos organismos legítimos da classe trabalhadora.

O que fazer?

Um primeiro passo seria a mobilização permanente contra a cobrança do imposto sindical. A CSP Conlutas é a única Central que não recebe o imposto sindical e orienta todos os seus sindicatos a fazerem o mesmo. Alguns devolvem aos trabalhadores, outros utilizam como "fundo de ferro" para financiar as oposições, os movimentos sociais e a luta de outras categorias contra as burocracias. Entretanto, o mais importante é que é a base que deve decidir em assembleia o destino do dinheiro, já que o desconto é obrigatório e feito pelo governo.
Vivemos um momento da luta de classe muito importante em nosso país. As jornadas de junho deixaram os governos e as burocracias sindicais atônitas, várias categorias tem arrancados vitorias importantíssimas através da mobilização de suas bases, os professores do Rio de Janeiro ano passado e os garis no carnaval deste ano são exemplos do que estamos falando. Está mais do que na hora de a categoria que mais se enfrentou com os governos nos últimos 20 anos, através de greves, ocupações de câmaras e passeatas,  voltar a ocupar as ruas e botar pra correr as burocracias que tantos têm prejudicado nossas vidas, aqui no Estado, essas burocracias se traduzem nas direções pelegas do Sindeducação (UGT/PMSL/PCdoB) e do Sinproesemma (PCdoB/CTB), que têm aplicado políticas contra os interesses dos seus sindicalizados, já que o imposto sindical garante a sobrevivência do sindicato e os privilégios das direções pelegas.

Por tudo isso, somos terminantemente contra o imposto sindical.  A CSP Conlutas faz um chamado a todos os trabalhadores e trabalhadoras a se engajarem na luta por seus direitos e rechaço as direções traidoras. Acreditamos que a vitória de nossa categoria só vira mediante a luta contra os governos e contra as burocracias, miremos-nos no exemplo dos garis do Rio de Janeiro. Retomamos a epígrafe de Marx que abre esse artigo, “A libertação da classe trabalhadora tem que ser feito dos próprios trabalhadores”.







* Professor de Matemática da Educação Básica no Maranhão, Militante da Setorial de Educação da CSP Conlutas MA e do PSTU.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, José Maria de. Os sindicatos e a luta contra a burocratização. São Paulo: Editora Sundermann, 2007. pag.74.
CANARY, Henrique. O que é sindicato in O que é... Conceitos fundamentais de política, economia e sociedade. São Paulo: Editora Sundermann.2010.
GIANNOTTI, Vito. História das Lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008.


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